Balanço

Julguei que seria tudo mais fácil, que nos mantínhamos contactáveis, presentes, até cúmplices.
Pensei que haviam coisas imutáveis, que nunca iriam chegar ao fim, mas não verdade, não valeu a pena prometer que o tempo não nos fugia das mãos.

Eu sei, fui eu que me emaranhai nos meus sentidos, que julguei que devorávamos para sempre o tempo.
Na verdade deixei-me devorar pela utopia de que há coisas eternas.
Os sentidos mudam, mas nada se tinha de desfazer. Mas agora já um escuro vem no horizonte, já a luz se perdeu do olhar. São tantos os caminhos que a saudade tem. Esses caminhos já estão despedaçados, já tiveram muitas batalhas.
Agora já não sei onde ainda vou convosco, o cansaço já ganha.
Será que o que nos somos já morreu? Nem sei se quero descobrir, nem sei se quero deixar a salvo esse lugar.
Tentar ficar só com as fotografias? as recordações? Não me chega. Hoje o tempo doí.
"Esta é só uma noite para me vingar
Do que a vida foi fazendo sem nos avisar
foi-se acumulando em fotografias
em distâncias e saudades
Numa dor que nunca acaba
e faz transbordar os dias"
No entanto houve caminhos que foram no mesmo sentido.
Tu caminhaste sempre comigo, e continuas a adormecer do mesmo lado que eu quando a noite chega. Tu que me ensinaste a sonhar, tu que estás lado-a-lado.
Outros tinham tudo para falhar, para naufragar, não eram consolidados e ainda assim não ancoraram, não foram para longe do meu olhar.

Recordar chega? Seguir o rasto? Para mim não. O tempo perde-se nas recordações e o rasto desaparece com a ventania.

Porque as vezes temos de olhar para trás, temos de fazer balanços.

Efemeridade da vida

Só hoje, sim, só hoje dei conta da efemeridade que é isto a que chamamos vida.
Todos temos um fim, é mais que certo e sabido, mas porque é que é sempre nas alturas impróprias? Talvez porque nunca haja a altura próporia, nunca paramos, estagnamos e dizemos "Agora sim, estou pronta para morrer". Também se assim fosse não faria sentido. A Vida/Morte não são mais que contrariedades.
E porque é que tendo, nos, consciência da terna linha da vida conseguimos adormecer aborrecidos, sem tudo conversado?
Quando estivermos despidos de tudo, já não há possibilidade de diálogo, no máximo um monólogo solitário.
As vezes pensando e sussurrando somente a palavra, levanta-se logo burburinho, pois só de pensar perde-se o sentido da vida. E há sempre, em qualquer sitio, alguém que levanta a voz e exclama: "Não falemos disso!", até se tem medo de dizer a palavra tão temida e fria - "Morte".
Mas, efectivamente, que a morte pode mais do que todo o resto, reorganizar a vida.

Faz pensar, talvez mudar.

Como gostava

Como gostava...como gostava de ser independente de tudo e todos, sem que o meu mundo desmoronasse. Queria viver vazia de sentimentos e artefactos.
Como gostava de ser uma construção rígida sem pilares.
Almejava não enlaçar as mãos, para que um dia, uma lembrança, fosse apenas isso, uma lembrança, suave ao pensamento, saudável à memória.
Não vale a pena mover-me com os outros, pois os outros movem-se sem mim.
A minha alma é mais real que o mundo exterior.
Porque é que sempre me apontam o mundo exterior como sendo o mais real?
Eu é que sou mais real, porque eu sinto. Só não sei para que sinto, se o que sinto não muda o mundo exterior, nem consegue sequer ser uma leve brisa.
Tudo existirá sempre e eu é que estarei sempre ligada a mim própria.
Gostava que tudo o que fosse real (pertencente ao mundo exterior) só me incutisse sentimentos verdadeiros, correspondentes.

Queria dizer (-te)...

Queria dizer-te que é absolutamente indispensável a tua existência, e que quanto mais vingar a distância e diferença que existe entre nós, menor o perigo de existinção da amizade.
Queria dizer-te que és fundamental para mim, para o equilíbrio do universo e para o alinhamento das estrelas.
Queria dizer-te da importância de certos gestos, palavras, acções, para que, a conservação da natureza não seja mera utopia.
Queria dizer-te que é quando me foges com movimentos desencontrados e espavoridos como o bater das asas de uma borboleta, que o caos em mim se põe.
Queria dizer-te da extrema necessidade de duas partes às vezes serem só uma.
Reduzo-me a pormenores que aguento nas entranhas, incapaz de abarcar o desígnio maior disto tudo.
Vogam por aqui insensatas esperanças, embora eu cale o que queria de facto dizer-te, a tanto me leva o paradoxo do orgulho.
Queria fechar os olhos. No fundo, queria apenas dias, brevemente completos, embalados por impressões difusas de felicidade, sem puros egocentrismos.

Queria dizer-te mas não digo.

Antes era era mais bonito?

Antes era mais bonito, quando o teu amor me vinha por intuição, por versos, por devaneios suaves que ias soltando...sempre com um enorme medo e timidez.
Antes era mais bonito, quando eras o excesso que se continha em gestos, eras um estado de espírito, uma fragrância, um paladar que ansiava.
Antes era mais bonito, quando davamos as mãos vendo um filme e ficavamos com as mãos húmidas, tal era a mistura de sensações, quando ouvimos musica e olhavamos o mundo como crianças com medo de sermos apanhados sentindo tremores e calafrios.
Antes era mais bonito quando me eras proibido e eu te imaginava despido nas minhas mãos.

Quando demos um beijo não foi o pescoço que me caiu na direcção da tua cara porque me deu um torcicolo enquanto dormia e sonhava contigo.
Quando os meus olhos fixaram a tua boca não foi porque fiquei vesga subitamente e até me receitaram um colirio.
Quando a minha mão fez tudo para agarrar a tua mão, não foi por uma cãibra súbita, que me impedia de dominar os músculos dos dedos que, desobedientes, foram na direcção dos teus.
Quando o meu corpo quis o teu colo não foi por causa daquele frio que arrefeceu o banco onde estavamos sentados e me estava a fazer sentir congelada.
Quando o meu nariz te farejou, não era devido a um cheiro diferente que não conseguia definir, não tinhas mudado de perfume.

Agora já te vejo por dentro, já me és mais transparente, e isso não faz com que perca a magia, porque gosto do que vejo, gosto de ler os teus pensamentos e de puder ter o teu corpo despido em palavras.

Antes não era mais bonito, era diferente. Somente mais envolvente.

As palavras

"São como um cristal,as palavras. Algumas, um punhal,um incêndio.
Outras,orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam:barcos ou beijos,as águas estremecem. Desamparadas, inocentes,leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas, verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quemas recolhe, assim,cruéis, desfeitas,nas suas conchas puras?"

Eugénio de Andrade

Fomos rio, Somos mar

Ainda me lembro tão minunsiosamente de quando eramos um rio, caminhavamos juntos, tinhamos o nosso percurso defenido, sempre calmo, harmonioso, sem desavenças nem conflitos, seguiamos o nosso leito, lado-a-lado, não passavamos sozinhos, nem a leve ondulação.

Mas algo nos atraiçoou, sentimos vontade de não sermos mais um rio, que passa com pouco animo e vontade, queriamos ser o mar, percorrer caminhos mais longos e distantes, onde só não se perde com o movimento quem conseguir manter-se agarrado. Quem não se desprender nem por breves segundos. Sentimos o apelo, a necessidade de algo que exigisse mais de nós, que nos fizesse lutar, o calafrios o aperto já sentiamos, o amor estaria a chegar sem darmos conta.

Como já iamos no caminho fluvial, já tinhamos passado tantos canais, não podiamos parar, o rio tem de desaguar, nem as pedras que atropelavam nos conseguiram travar e sei que separados tinhamos batido em todas as pedras e nunca teriamos sido o mar. E não podiamos jamais ter desaguado em oceanos diferentes, o meu corpo já só pedia da tua água.

Foi ai que demos as maõs, e ficamos sendo o mar. O mar tem muitos obstáculos e enquanto conseguirmos ser o mar, precisamos de estar sempre de maõs dadas, o mar balança, por vezes agrestemente, por vezes harmoniosamente.
O nosso segredo, para as grandes ondulações vai resultar sempre. Vamos para o nosso esconderijo, onde o sol de põe e com ele trás um terno beijo.

Agora te peço para me deixares sempre morar a teu lado..porque sou de ti. O amor chegou, encontrei a minha paz.