Devolve-me a minha vida

Devolve-me a minha vida, que não sei o que fazer sem ela.
Devolve-me o riso, as gargalhadas puras de crianças, a doçura dos chupas que insistíamos levar para as aulas, as receitas experimentais na cozinha, o gozo dos almoços no sitio habitual, na mesa habitual.
Devolve-me o friozinho no estômago na hora do mini-teste, o empolgar com as novidades que experimentávamos, as parvoíces próprias da idade.
Devolve-me a futilidade das tardes roubadas ao trabalho e passadas entre amigas, entre "passeios" pelas lojas, entrar e sair dos vestiários (um número acima,um número abaixo,esta camisola tem a tua cara e esta tem a dela).
Devolve-me aconchego da noite, que sempre atravessávamos com longas conversas às escuras deitadas.
Devolve-me as músicas que me faziam feliz, a voz redonda e cheia com que as cantava pela janela do quarto, sentada junto ao mar, no banco verde da escola ou até no pombal.
O prazer das manhãs deitada na cama e vontade de ler um livro durante a noite, um livro vulgar e lamechas até mais não.
Devolve-me o prazer do silêncio e do telemóvel desligado.
Devolve-me a capacidade de rir até de manha ouvindo piadas sem piada abrilhantadas por piadas privadas atiradas ao ar.
Devolve-me as noites pacificadas no enrosco de um abraço e o gozo de ver um filme de terror.
A sede de saber as cusquices do dia, da semana e de escrever no diário, diário aberto.
Quero os choros, intrigas sem sentido, as "picuices" e os argumentos sem nexo.
Devolve-me, que as pessoas já falam e comentam e reparam no invólucro de mim que sobrevive rasteiro, e toma (leva contigo), o medo que tenho no peito, que nada se repita e tudo se perca.
Fica comigo a vontade de crer as canções, as conversas, os risos e todos os sons que a felicidade possa ter.
Devolve-me a minha vida, que não sei o que fazer sem ela.

2 comentários:

  1. Olá!=)
    Obrigada pela visita! Volta sempre!

    ResponderEliminar
  2. Há momentos em que queremos que nos devolvam tanta coisa, pois parece que levaram tudo de nós assim num repente quase sem que déssemos conta..., e temos de encontrar, de pegar de novo cada pedacinho, cada estilhaço - quando é também esse o caso -, de nós que ficou algures..., por vezes, no chão..., para que possamos continuar a viver, a ter vida.

    ResponderEliminar